sábado, 18 de dezembro de 2010

Nunca é tarde

O texto á seguir foi feito para a Olimpíada de redação da Biblioteca Municipal de Jundiaí, onde eu moro, deer. KJAHSKDJAH' O tema central, para todas as categorias, era solidariedade e a proposta da categoria jovem era escrever na primeira pessoa sobre um idoso, morador de uma casa de repouso em uma véspera de Natal. O tema da categoria era solidão.

Tentei da melhor forma possível conciliar todos os temas sem sair do foco, espero que gostem :D


A luz matinal entrou maliciosa pela janela aberta, mas eu já estava acordado desde que a lua começara a se retirar. A única janela do quarto ficava em frente à cama e funcionava como um espelho da alma, no meu caso escura, vazia e até sombria.

Com um esforço maior que o que fiz no dia anterior, levantei e calcei meus chinelos velhos. O relógio, que era o mesmo que minha mãe me dera de presente de casamento, há quarenta e sete anos atrás, dizia ser quase seis da manhã. Meus passos lentos e cansados me levaram ao altar ao lado do guarda-roupa e em seguida para o banheiro onde o espelho me mostrou um homem cansado demais para os seus sessenta e cinco anos. Pessoas lá fora começavam sua vida com essa idade, porque eu não poderia?

– Seu José, já está acordado? – A voz feminina e suave que todos os dias vinha desejar-me bom dia, chamou á porta. – Está, não está? O senhor sempre acorda cedíssimo.

Senti meu rosto se moldar em um sorriso, Marina a doce enfermeira era minha melhor amiga ali – ela me lembrava minha filha.

Comecei a ir em direção a porta, apoiando-me nas paredes quando ouvi sua voz novamente.

– É véspera de Natal, seu José, é véspera de Natal! – a euforia em sua voz era quase palpável, no mínimo era possível expirá-la.

Mas eu parei no caminho para a porta. Natais não me traziam boas lembranças. Voltei para a cama desfeita fingindo não tê-la ouvido, e enquanto aos poucos ela desistia da possibilidade de eu estar acordado, um filme chamado passado era exibido em minha mente.

Há exatos cinco anos eu perdi toda a minha família.

Meus olhos automaticamente se fecharam para evitar a primeira lágrima. Veja só, um homem de sessenta e cinco anos chorando. Ridículo. No entanto, certas memórias são fortes demais para não obrigar, não empurrar a primeira lágrima. E invariavelmente depois da primeira há a segunda, e a terceira, e a quarta, até as infindáveis lágrimas.

Era véspera de Natal do ano de dois mil e cinco e eu estava trabalhando, cuidando da pequena empresa da família. Todos se encontravam em Recife e eu também deveria estar lá. Era véspera de Natal, eu também deveria estar lá. Eu ia, pretendia ir, mas o trabalho me prendeu em São Paulo, então num ato de extremo egoísmo pedi para que eles voltassem. O Natal planejado durante cinco meses arruinado pelo meu egoísmo. Eles voltaram, eles me amavam e fariam tudo por mim. Eles iam voltar, tentaram voltar.

As lágrimas já desciam como se jorrassem e eu nem tentava controlá-las. A culpa e a solidão invadiam.

Uma turbulência no céu da Bahia derrubara o pequeno jato que havíamos acabado de comprar, matando minha esposa Marie, minha mãe Francisca e meus dois filhos Camila e João.

Rolei para o lado e tentei dormir. Natais não me traziam boas recordações.

Mais tarde o sol dizia que passava do meio dia e meu estomago confirmava. Lá fora eu ouvi as vozes dos outros moradores da casa de repouso e percebi que apesar de tudo não deveria agir como um anti-social. Levantei-me novamente e fui para o pátio. Marina estava lá.

– Porque o senhor fingiu que estava dormindo, seu José? – ela perguntou quando veio sorrindo para mim com o mesmo sorriso que Camila tinha. – O que aconteceu? – e então seu semblante mudou para uma tristeza contida.

– Sinto muito. Não tenho boas lembranças do Natal. – Tentei falar através da voz que começava a ficar embargada.

– Eu sei. Quero dizer, sei que alguma coisa o aflige e muito – Ela pegou uma de minhas mãos e sorriu docemente. O doce sorriso de Camila. Ah! Natais. – Não se preocupe seu José, eu estou aqui para ajudá-lo.

– Obrigado Marina. – e decidi sair andando antes que eu realmente me desmanchasse.

Andei sozinho pela casa de repouso por algum tempo e resolvi voltar para meu quarto.

Lá, sozinho, eu senti a solidão tomando conta, mas definitivamente não me importei; já era a quinta vez em cinco anos, então essa sensação não era assim tão estranha.

Liguei o antigo radio-relógio e sintonizei em uma emissora AM qualquer, tentando não pensar em nada, mas não consegui. Algumas imagens aleatórias me vinham à mente, mas eu já conseguia controlar a avalanche de culpa. E quando o sol já queria se esconder, eu ouvi um choro contido e ao mesmo tempo desesperado.

Fui até a janela com passos lentos e moles e vi Marina ao celular vertendo lágrimas que faziam doer até mesmo quem não sabia o motivo do desespero. Assisti-a tentar falar através do choro por alguns minutos, sentindo-me angustiado por vê-la daquela forma. Quando desligou o telefone, levou as mãos ao rosto e deixou que o aparelho caísse no chão com um baque oco e alto. Lembrei-me de Camila, minha filha mais nova, e não pude agüentar.
– Marina? – chamei com medo.

– Seu José, achei que o senhor estava dormindo – ela sussurrou enquanto tentava se recompor. Tentava e não conseguia. Suas mãos secavam freneticamente seus olhos em vão, já que a cada segundo uma nova correnteza de lágrimas lavava sua face.

– O que aconteceu Marina? – disse enquanto me dirigia para a porta. Do lado de fora eu a abracei.

– Meu namorado estava vindo de moto para passar o Natal comigo, depois de eu tanto insistir para que ele viesse de sua cidade até aqui – ela disse isso em um só fôlego, e continuou – mas ele sofreu um acidente gravíssimo e está no hospital.

Senti uma lança transpassar meu coração. Eu sabia o que ela sentia. Abracei-a sem tentar conter nenhuma lágrima – eu precisava ajudar a enfermeira que tanto lembrava minha filha. Eu tinha a chance de tentar fazer algo para que meus Natais não fossem tão sombrios.

Passamos a noite de Natal juntos enquanto eu a acalmava, e me senti completo quando pela manhã ela recebeu o telefonema que dera a noticia de que seu namorado estava bem.

Era a chance que o destino me dera para concertar as coisas. E eu a agarrei.